Um professor, um livro.
Nove amanhãs
contos do futuro próximo
Foi-me lançado o repto de, numa perspectiva motivacional, escrever um pequeno texto sobre um livro. Meti mãos à obra. Comecei por rever as minhas, por vezes poeirentas e já um pouco esbatidas, memórias. Escolher um livro que eu tenha lido… Tarefa que apesar da sua aparente pouca dificuldade se revelou quase hercúlea. Comecei pelos livros infanto-juvenis, fui aumentando gradualmente o grau de complexidade das minhas leituras e, nos primeiros anos da minha licenciatura, dei por mim a ler tratados de filosofia.
Escolher um livro… Escolher um livro…
Assim não dá, não consigo escolher o livro! Após bastante ponderação, e tendo em conta o carácter motivacional do repto, optei por escrever sobre um género literário: ficção científica! Eu sei que é muitas vezes considerada literatura menor (quando tem direito à palavra literatura), sei também que posso ser acusado de deformação profissional pois, sendo eu físico, vou falar de ficção científica. Não reconheço validade a estas críticas! Como em qualquer género literário há livros de qualidade, livros razoáveis e livros sofríveis. É certo que grande parte das novelas e romances de ficção científica mais não são do que verdadeiras cowboyadas que, em vez de cavalos, usam naves espaciais. Há, no entanto, uma mão cheia de autores que escrevem ficção científica de qualidade, não apenas ficção científica física, mas ficção científica que versa os mais variados campos, o que me iliba da acusação de deformação profissional. Um desses autores é Isaac Asimov. Americano de origem russa, este bioquímico desaparecido em 1992 deixou-nos um legado literário vastíssimo, não apenas na área da ficção científica, mas também na área da divulgação científica. Não vou escrever sobre a sua obra-prima, Fundação, nem tão pouco sobre os seus brilhantes contos de robots, alguns transpostos para o cinema de que é exemplo o recente Eu robot. Vou falar de um pequeno conto que versa o tema da educação, publicado em Portugal numa colectânea da Europa-América(1). Porquê este conto? Bom… fala sobre educação e este pequeno texto vai ser lido numa escola.
O conto Profissão, uma utopia negra sobre os sistemas de ensino, descreve-nos um futuro distante em que o saber não era aprendido da forma a que estamos acostumados mas sim gravado no cérebro. Exactamente… gravado! As crianças aos oito anos eram encaminhadas para um local onde lhes colocavam uns eléctrodos e, … zás!, saíam de lá a saber ler, prontinhos para ler o diário da República (compreendê-lo já é outra coisa). Aos dezoito anos os jovens eram encaminhados para o mesmo local e, após a colocação dos tais eléctrodos, saíam de lá especialistas numa qualquer profissão, dessas que vão surgir no futuro. Assim mesmo, sem esforço, sem sangue, suor e lágrimas. Já estou a ver a cara dos meus alunos a ler estas palavras… “Fixe pá, não temos que estudar, sem esforço ficamos peritos numa qualquer máquina, numa qualquer profissão”!
George Platen é um desses jovens, também ele aos oito anos foi ao dia da leitura (assim se chamava a gravação da leitura) e, aos dezoito dirigiu-se para o dia da profissão. O computador iria analisar o seu cérebro e implantar-lhe a profissão que melhor se adequasse à sua estrutura neuronal. No entanto o nosso George tinha um segredo: fez batota! Queria tanto a profissão de Programador de Computadores que cometeu a heresia de ler livros sobre o assunto. Sim, livros, os vossos olhos não vos enganam. Livros mesmo, aqueles de papel… já devem ter ouvido falar! Claro que o computador descobriu, afinal analisou-lhe o cérebro e o cérebro regista o mais ínfimo desvio da normalidade, é assim um género de ministério público com um sistema de escutas. George Platen não recebeu nenhuma profissão. Em vez disso… Não digo mais, toda a gente a ler o conto… Já!
Apenas mais uma pequena achega. O registo da informação no cérebro não exige esforço, não temos que estudar! Não temos que gramar as aulas nem os professores! É o paraíso! Mas será… que o registo directo no cérebro leva com ele a criatividade e o pensamento crítico?... Leva com ele a capacidade de inovar, de descobrir e manusear uma máquina mais eficiente?… Ou leva à estagnação e colapso de toda a estrutura social?... Talvez. A não ser que…
Professor Artur Esteves(1) Isaac Asimov, Nove amanhãs – contos de um futuro próximo, vol 1, Europa-América
contos do futuro próximo
Foi-me lançado o repto de, numa perspectiva motivacional, escrever um pequeno texto sobre um livro. Meti mãos à obra. Comecei por rever as minhas, por vezes poeirentas e já um pouco esbatidas, memórias. Escolher um livro que eu tenha lido… Tarefa que apesar da sua aparente pouca dificuldade se revelou quase hercúlea. Comecei pelos livros infanto-juvenis, fui aumentando gradualmente o grau de complexidade das minhas leituras e, nos primeiros anos da minha licenciatura, dei por mim a ler tratados de filosofia.
Escolher um livro… Escolher um livro…
Assim não dá, não consigo escolher o livro! Após bastante ponderação, e tendo em conta o carácter motivacional do repto, optei por escrever sobre um género literário: ficção científica! Eu sei que é muitas vezes considerada literatura menor (quando tem direito à palavra literatura), sei também que posso ser acusado de deformação profissional pois, sendo eu físico, vou falar de ficção científica. Não reconheço validade a estas críticas! Como em qualquer género literário há livros de qualidade, livros razoáveis e livros sofríveis. É certo que grande parte das novelas e romances de ficção científica mais não são do que verdadeiras cowboyadas que, em vez de cavalos, usam naves espaciais. Há, no entanto, uma mão cheia de autores que escrevem ficção científica de qualidade, não apenas ficção científica física, mas ficção científica que versa os mais variados campos, o que me iliba da acusação de deformação profissional. Um desses autores é Isaac Asimov. Americano de origem russa, este bioquímico desaparecido em 1992 deixou-nos um legado literário vastíssimo, não apenas na área da ficção científica, mas também na área da divulgação científica. Não vou escrever sobre a sua obra-prima, Fundação, nem tão pouco sobre os seus brilhantes contos de robots, alguns transpostos para o cinema de que é exemplo o recente Eu robot. Vou falar de um pequeno conto que versa o tema da educação, publicado em Portugal numa colectânea da Europa-América(1). Porquê este conto? Bom… fala sobre educação e este pequeno texto vai ser lido numa escola.
O conto Profissão, uma utopia negra sobre os sistemas de ensino, descreve-nos um futuro distante em que o saber não era aprendido da forma a que estamos acostumados mas sim gravado no cérebro. Exactamente… gravado! As crianças aos oito anos eram encaminhadas para um local onde lhes colocavam uns eléctrodos e, … zás!, saíam de lá a saber ler, prontinhos para ler o diário da República (compreendê-lo já é outra coisa). Aos dezoito anos os jovens eram encaminhados para o mesmo local e, após a colocação dos tais eléctrodos, saíam de lá especialistas numa qualquer profissão, dessas que vão surgir no futuro. Assim mesmo, sem esforço, sem sangue, suor e lágrimas. Já estou a ver a cara dos meus alunos a ler estas palavras… “Fixe pá, não temos que estudar, sem esforço ficamos peritos numa qualquer máquina, numa qualquer profissão”!
George Platen é um desses jovens, também ele aos oito anos foi ao dia da leitura (assim se chamava a gravação da leitura) e, aos dezoito dirigiu-se para o dia da profissão. O computador iria analisar o seu cérebro e implantar-lhe a profissão que melhor se adequasse à sua estrutura neuronal. No entanto o nosso George tinha um segredo: fez batota! Queria tanto a profissão de Programador de Computadores que cometeu a heresia de ler livros sobre o assunto. Sim, livros, os vossos olhos não vos enganam. Livros mesmo, aqueles de papel… já devem ter ouvido falar! Claro que o computador descobriu, afinal analisou-lhe o cérebro e o cérebro regista o mais ínfimo desvio da normalidade, é assim um género de ministério público com um sistema de escutas. George Platen não recebeu nenhuma profissão. Em vez disso… Não digo mais, toda a gente a ler o conto… Já!
Apenas mais uma pequena achega. O registo da informação no cérebro não exige esforço, não temos que estudar! Não temos que gramar as aulas nem os professores! É o paraíso! Mas será… que o registo directo no cérebro leva com ele a criatividade e o pensamento crítico?... Leva com ele a capacidade de inovar, de descobrir e manusear uma máquina mais eficiente?… Ou leva à estagnação e colapso de toda a estrutura social?... Talvez. A não ser que…
Professor Artur Esteves(1) Isaac Asimov, Nove amanhãs – contos de um futuro próximo, vol 1, Europa-América
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